March 20, 2015

THE BIG SWITCH (Pete Walker, 1969)



THE BIG SWITCH (1969) é o segundo filme de Pete Walker, que se começa já a distanciar dos nudies de 8mm e mesmo do registo naturist exploitation do seu anterior I LIKE BIRDS (1966). Ambientado nos estertores finais da swinging London, e no coração dos clubes nocturnos que Walker tão bem conhecia dada a sua associação com Michael Klinger (que mais tarde viria a produzir o superlativo REPULSION (1965) de Polanski), o filme constitui uma curiosa cápsula do tempo que nos permite um precioso vislumbre de uma era para sempre irrecuperável. 

Distribuido nos Estados Unidos sob a mais picante designação STRIP POKER, título que vai buscar a uma das suas cenas mais memoráveis, e com cerca de mais um quarto de hora de sexo e violência, o filme apresenta-nos uma bizarra conspiração para reintroduzir no país um casal de criminosos expatriados. Envolvendo assassinatos encenados, jogos de poker e dívidas inexistentes, alterações faciais e torturas com cigarros, num cenário típico de um Hitchcock de imitação, é uma fita que compacta nos seus escassos setenta e cinco minutos de duração mais do que muitos conseguiriam em duas horas, e ainda assim consegue deixar a sensação de que muito do seu conteúdo é mero enchimento [tal como o longo e desinteressante striptease de Tracy Yorke durante os créditos iniciais e a sessão fotográfica para amantes de celulite que representa o último trabalho de John Carter (Sebastian Breaks), o nosso fall guy, antes de ser atirado para o centro da conspiração].

Sem deixar de prover aos interesses dos potenciais clientes da brigada da gabardina, Walker não descuida generosas e despropositadas doses de seios nus que, juntamente com as súbitas explosões de violência, ajudam o filme a aparentar ser mais sórdido do que realmente é. A fotografia de Richard Scott (embora o IMDB indique Brian Tufano, não consegui confirmar esse dado) faz ressaltar as cores vivas dos anos sessenta, desde os interiores multicoloridos dos apartamentos in de Londres às modas femininas em pleno império de Mary Quant. O filme culmina numa psicadélica fuga aos gangsters pelos túneis do comboio-fantasma de um parque de diversões desactivado para o Inverno, onde o caleidoscópio de cores contrasta de forma dramática com a neve que cai no exterior, numa involuntária metáfora do zeitgeist coevo do filme.

March 19, 2015

LA ORGIA DE LOS MUERTOS (José Luis Merino, 1973)



LA ORGIA DE LOS MUERTOS (1973) é um dos mais apreciados títulos de um dos mais reconhecíveis nomes da exploitation Espanhola: José Luis Merino. Artesão árduo e polivalente, assinou filmes em todos os géneros possíveis e imagináveis, incluindo adaptações de Tarzan (TARZAN EN LAS MINAS DEL REY SALOMÓN, 1973) e Zorro (EL ZORRO, CABALLERO DE LA JUSTÍCIA e EL ZORRO DE MONTERREY, ambos de 1971). Foi aliás, porque o seu grande amigo e actor de culto Paul Naschy (Jacinto Molina) se recusou a aceitar um papel em TARZAN E LAS MINAS DEL REY SALOMÓN que Merino escreveu especialmente para ele o papel do coveiro necrofílico de LA ORGIA DE LOS MUERTOS, que produziu e realizou nesse mesmo ano.


Inserindo-se claramente na senda do novo gótico recuperado pela Hammer britânica, que começava já a dar sinais de cansaço e iniciava a sua curva descendente, a trama apresenta-se como uma densa mescla de elementos incongruentes que não chegam nunca a consolidar-se, num filme melhor servido pela mise-en-scéne do que pelo argumento, co-escrito pelo realizador com Enrico Colombo. Começando com a morte de uma jovem que vemos adentrar no túmulo do próprio pai para recuperar uns documentos que este literalmente levou consigo para a cova, e que o primo, recém-chegado para a leitura do testamento à maneira de um clássico cenário THE CAT AND THE CANARY, encontra enforcada numa árvore à entrada do cemitério, rapidamente se transmuta num filme de cientistas loucos interessados em criar exércitos de mortos-vivos sem qualquer objectivo aparente.


Apesar da fragilidade do argumento, claramente denunciada pela inverosimilhança das várias revelações que se vão sucedendo, Merino dota o filme de alguns momentos verdadeiramente inquietantes e até mesmo brilhantes. Se o protagonista a obrigar a inocente Doris (a bonita Dyanik Zurakowska) a despir-se enquanto fuma um displicente charuto com ar de desinteresse, choca o espectador por se tratar da personagem com que é suposto identificar-se (e por ser interpretada por Stelvio Rossi), a irrupção de um espectro durante a sessão mediúnica pode claramente inserir-se no cânone dos momentos mais bem conseguidos de todo o Cinema de Horror.


Não obstante o papel ter sido escrito especialmente para si, Naschy não tem muito que fazer no filme que não servir-se da sua presença icónica, e é despachado de forma ingrata, superado mesmo na sua ameaça por alguns zombies (se pode aplicar-se tal designação) surpreendentemente bem executados.

March 18, 2015

NAKED - AS NATURE INTENDED (George Harrison Marks, 1961)


Vendo hoje este NAKED – AS NATURE INTENDED (1961), numa época assoberbada pela gratuidade de cenas de sexo como as que se podem ver em séries como GAME OF THRONES ou SPARTACUS, e as generosas doses de nudez feminina (e masculina) que caracterizam a maior parte das comédias para adolescentes, custa a acreditar que este inocente exercício de George Harrison Marks possa ocupar um lugar cimeiro entre os filmes que desbravaram o caminho para estes trabalhos mais recentes.

No entanto, numa época que deliraria com o primeiro nu frontal feminino no justamente célebre e popular BLOW UP (1966) de Michellangelo Antonioni, e que apresentava um claro défice entre a crescente liberdade de costumes e a sua representação nos ecrãs, a mera possibilidade de contemplação de uns sólidos seios femininos sem qualquer obstáculo era suficiente para gerar filas de cavalheiros de gabardina diante das bilheteiras dos cinemas do West End londrino. Ciente de tal facto, Marks, uma daquelas figuras que a vida não consegue conter, reconhecido fotógrafo de moda e renomado senhor dos nudies de 8mm (que produziu às centenas ao longo de uma década) apostou em produzir e realizar, quase sem argumento, aquele que ele próprio descreveu como o mais nu de todos os filmes (“the nudest film of all”), proposta que certamente não assentaria bem no gabinete de John Trevelyan, director do famigerado BBFC.
 
A solução, explorando a jurisprudência vigente no gabinete da censura, e seguindo o procedimento habitual em filmes desse tipo, era integrar a nudez num documentário sobre nudismo, propalado como o mais saudável e natural estilo de vida. Daí que o filme se apresente como um inocente documentário de viagens que acompanha cinco atractivas moçoilas (todas elas modelos do próprio Marks) pela Cornualha, rumo ao famoso campo nudista de Spielplatz, onde por fim se despem alegremente para gáudio da brigada da gabardina. A principal atracção do filme, à época, era sem dúvida a escultural Pamela Green (ao centro na imagem supra), que foi a mais popular modelo feminina britânica do pós-guerra. Para as audiências de hoje, que explorem o filme – tão inocente – nos seus leitores de DVD, ao inegável atractivo das actrizes principais (sobretudo Petrina Forsyth e Jackie Salt, que acompanham Green no seu périplo) soma-se a possibilidade de visitar vários ex-libris britânicos como Stonehenge, Clovelly, Tintagel e o anfiteatro Minack de Porthcurno, tal como se mantinham no dealbar da era do turismo de massas.

March 17, 2015

I VAMPIRI (Riccardo Freda, 1957)


Foi tal o sucesso da parceria Universal-International/Hammer Films ao ressuscitar os monstros clássicos dos anos trinta nos influentes THE CURSE OF FRANKENSTEIN (1957) e DRACULA (1958), que é fácil empurrar para as margens da história outros interessantes exercícios de recuperação dos velhos ícones que deles foram coevos ou que, por vezes, os antecederam mesmo. Foi o caso de I VAMPIRI (1957), de Riccardo Freda, um exercício de estilo que foi a pedra fundadora do riquíssimo cinema de Horror Italiano.
 
Embora evitando o recurso aos expedientes mais grand-guignol, e aos decotes ofegantes de damas em perigo que caracterizariam o desenvolvimento futuro da Hammer, o filme consegue gerar uma atmosfera de suspense e inquietação através da magnífica fotografia de Mario Bava, uma cinematografia que dota as sombras de uma profundidade quase orgânica. Da mesma forma como evita os excessos na apresentação de uma narrativa que tem por fio condutor a sucessão de cadáveres de jovens raparigas que vão surgindo um pouco por toda a Paris, Freda optou por actualizar a velha história de Erzebeth Bathory para a época contemporânea, aglutinando a temática dos velhos filmes de cientistas loucos num opus multifacetado que apresenta ao mesmo tempo comentário social e crónica de costumes – para o que contribui a ideia de centrar a trama num repórter da imprensa de escândalos.
 
Embora os vampiros do título não sejam as literais criaturas popularizadas por Stoker e Le Fanu, Freda não deixa de nos mostrar que essa particular forma de predação não é alheia a muito do parasitismo social que alimenta milhares de leitores ávidos do último escândalo social. O filme, infelizmente, foi um fracasso de bilheteira, sendo referido as mais das vezes nas publicações da especialidade apenas pelo facto de Bava ter assumido as tarefas de direcção nos últimos dois dos doze dias de rodagem.

March 16, 2015

LA RESA DEI CONTI (Sergio Sollima, 1967)


Depois de FOR A FEW DOLLARS MORE (1966) e THE GOOD, THE BAD AND THE UGLY (1967), não restavam muitas dúvidas de que Lee Van Cleef seria uma das estrelas iconográficas do ciclo de spaghetti westerns. Nos filmes de Leone, o cachimbo e o coldre cruzado sobre o estômago permitiram-lhe consolidar uma imagem de marca tão reconhecível como o poncho e o charuto do seu colega Clint Eastwood; essa mesma imagem é transportada para este contido LA RESA DEI CONTI (1967) de Sergio Sollima. Contido porque Sollima dispensa o denso simbolismo católico predominante em muitos dos filmes do ciclo – veja-se, por exemplo, DJANGO (1966) ou SI SEI VIVO, SPARA (1967) – simbolismo que permite as mais das vezes o excesso de um rococó visual pós-moderno, bem como as personagens extravagantes, quase caricaturais, para se centrar numa narrativa de fundo meramente político e social.

E se, por isso, o filme perde algo da estética visual criada por Leone e levada ao extremo por Sergio Corbucci, ganha muito em densidade de caracterização, sobretudo na evolução da personagem de Van Cleef, um caçador de recompensas com ambições políticas que aceita partir à caça de um fugitivo Mexicano, às ordens do seu patrono – um Barão das Linhas Férreas – como se num acto meramente desportivo. Mas a perseguição que se pretendia célere transforma-se numa viagem de transformação pessoal à medida que os recursos de sobrevivência de ‘Cuchillo’ Sanchez (soberbamente interpretado por Tomas Milllian) o arrastam para lá da fronteira do México (privando-o da protecção que a estrela de delegado do xerife lhe conferia), e para o seio de uma sórdida intriga política de violação e corrupção que apenas pode terminar no sangrento confronto final.
 
Millian ganhou também neste filme o estatuto de estrela do spaghetti western, e a sua relação com o determinado mas cada vez mais reticente Van Cleef, não fica aquém daqueloutra entre o Blondi de Eastwood e o Tuco de Eli Wallach em THE GOOD, THE BAD AND THE UGLY. Relação que atinge o seu pico quando Cuchillo acusa Van Cleef de ter aceite a missão de o caçar sem sequer ter pedido qualquer prova de que a acusação que sobre ele recai (de ter violado e morto uma rapariga menor de idade), acreditando na sua culpabilidade apenas porque ele é Mexicano e pobre (e que os verdadeiros culpados pretendem eliminar por ter testemunhado o crime de que é acusado). Tomás Millian, que ao que consta baseou a sua interpretação no papel de Toshirô Mifune em YOJIMBO (1961), foi tão bem sucedido no desempenho da sua personagem que ‘Cuchillo’ Sanchez regressaria como personagem principal do seu próprio filme, o clássico de culto CORRI UOMO CORRI (1968).

October 16, 2013

300 (Zack Snyder, 2007)




 
300 é mais uma sequência de planos estéticos – dir-se-ia que com ambições de pintura – do que propriamente um filme. Snyder, como acontecia já em DAWN OF THE DEAD (2004), não consegue resistir a chamar a atenção para os efeitos especiais. Cada plano seu é uma demonstração ostensiva da dimensão visual da experiência, em detrimento da consistência narrativa, muitas vezes reduzida ao mínimo estruturante (como num videojogo, ou num filme porno). Nos seus três primeiros filmes, o problema não foi excessivamente castrante porque Snyder estava a explorar propriedades já há muito estabelecidas: o filme de Romero, de 1979, um filme de culto por direito próprio, em DAWN OF THE DEAD, a graphic novel de Frank Miller e Lynn Varley neste 300, e a obra-prima dos comics de Alan Moore, no seu projecto seguinte e o mais conseguido até à data, WATCHMEN (2009). No entanto, quando tentou o seu primeiro projecto pessoal (com argumento e realização suas), SUCKER PUNCH (2011), todas as suas limitações foram exacerbadas pela sua incapacidade de ultrapassar a dimensão meramente visual – visceral – do cinema.



Em DAWN, a câmara não conseguia esperar pelo momento de nos proporcionar um primeiro plano dos rostos distorcidos dos infectados, minando a soberba ironia dos planos iniciais do filme, nomeadamente os magníficos planos picados que nos distanciavam do apocalipse que consumia o mundo diante dos nossos olhos. Em 300, a câmara abranda o seu ritmo, dilatando o tempo da acção, reduzindo a velocidade do movimento até cada plano se assemelhar a uma vinheta da graphic novel (muitas das quais são literalmente reproduzidas no ecrã). A mestria visual de Miller, considerado o mais cinemático dos artistas gráficos, permite a Snyder construir um filme de uma beleza estética inegável, gerando uma teratologia que oscila incerta entre o meramente grotesco e o simplesmente fantástico, filtrando o mito da Batalha das Termópilas, por uma imagética nascida da cultura popular do século XX.


E, enquanto as imagens de uma beleza hipnótica mantêm o espectador colado à cadeira do cinema ou ao sofá da sala, uma vez terminado o transe (que, admitidamente, será tanto mais profundo quanto menos experiência o espectador tenha quer em termos cinéfilos quer bedéfilos), surge a ressaca de compreender que esteve sentado perante uma sucessão ininterrupta de quadros de acção sem qualquer desenvolvimento narrativo ou de personagens. A trama secundária das intrigas políticas em Esparta, ancoradas no papel da Rainha, uma interpretação politicamente incorrecta de Lena Headey, em estágio para a sua intervenção na série GAME OF THRONES, tão disposta a utilizar a astúcia quanto o corpo para conseguir os seus intentos, não merece tempo suficiente para compreendermos a sua importância; e o papel do disforme traidor Ephialtes (Andrew Tiernan), é resolvido em menos de dois minutos, no simplismo de uma orgia, desperdiçando o forte potencial dramático de um patriota Espartano que é atirado para o serviço do inimigo por não estar à altura dos padrões de exigência dos seus conterrâneos e do seu rei.



Talvez aí resida um dos aspectos mais interessantes do filme: Snyder parece realmente simpatizar com a filosofia anacronista de Leónidas (Gerard Butler), dando continuidade à subtil (ou nem tanto) linha sobrevivalista de DAWN, encarnada pelo simpatético Andy (Bruce Bohne) e a sua perícia no uso de uma carabina. Não creio que muitos espectadores contemporâneos partilhem no plano prático do espírito de sacrifício de Leónidas e dos seus trezentos magníficos, ou, pós-Gulf War II, simpatizem com o apelo às armas em que o filme finalmente se consubstancia (os seus adversários, os Persas, vivem ainda hoje no cadinho fundamentalista do Irão). Butler consegue imprimir à sua interpretação do Rei Espartano um delicado balanço entre a ousadia e a loucura, deixando-nos indecisos quanto à verdadeira natureza da sua batalha. De que Leónidas é um sanguinário não permite Snyder que subsista qualquer dúvida, mas é um déspota esclarecido, ou um mero ditador como aqueles que a América depõe constantemente? 


Antes da derradeira Batalha, quando a morte é mais do que certa para os resistentes espartanos, Leónidas inspira as suas tropas dizendo-lhes que escrevem ali a alvorada de uma nova era: uma era onde um grupo de homens valentes deu a vida para resistir à tirania e à superstição. Mas a sensação que ficamos por contraste com o nosso próprio tempo, é de que a Batalha das Termópilas, como idealizada por Snyder, representa sim o final de uma era, precisamente o final de uma era de heróis românticos, dispostos a carregar uma última vez sobre o rosto da morte. Não foi tanto o Tempo que mudou, foram os heróis que desapareceram…